Notícias

Não tem dinheiro para demitir? Demita!

Um erro mais comum do que se imagina diz respeito à situação onde uma empresa, com sinais de crise ou excesso de custos, evitar demitir pessoal por alegar impossibilidade de arcar com as despesas rescisórias.

Autor: José Marcelo RigoniFonte: Administradores.comTags: empresariais

Um advogado me disse, certa vez, que era muito comum virem empresários com problemas financeiros a seu escritório, argumentando que precisavam demitir funcionários, mas que não tinham como pagar as rescisões. A conversa era, quase sempre, mais ou menos a seguinte:

 

- Não tem dinheiro para pagar as rescisões? Demita! - era o conselho do advogado.

- Mas, doutor, a rescisão é cara e tem a multa do FGTS...

- Demita!

- Mas o prazo para pagar é curto...

- Demita!

Por fim, o advogado demonstrava que, se a empresa estava com excesso de pessoal, precisando diminuir custos, e se, por um motivo ou outro, não tinha mais trabalho para todo pessoal que mantinha empregado, demitir, apesar das despesas com rescisão e FGTS, era a melhor saída.

Simplesmente porque, ao optar por manter o excesso de pessoal no emprego, a situação financeira da empresa tenderia a ficar ainda pior.

Afinal, com base no salário de cada funcionário, seria necessário pagar, mensalmente, o correspondente a 8% referente depósito de FGTS. Além disso, a cada mês, o contratado tem um custo adicional de 11,11% do salário, referente aquisição de direito de férias anuais mais 1/3 de adicional. E mais 8,33% que seria o mensalmente correspondente ao direito ao 13º salário, que é proporcional ao número de meses trabalhados no ano. E mais o seguro de acidente de trabalho, que corresponde a algo entre 1% e 3% do valor da folha de pagamento, podendo atingir percentual maior se a empresa vem apresentando registros de acidentes de trabalho. E isso sem falar nas despesas com elaboração e controle da folha de pagamentos, com material de segurança, reflexos em outras exigências (relatórios, quotas para aprendizes, quotas para deficientes), etc.

E mais: não sendo a empresa inscrita no Simples (Sistema Integrado de Imposto e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte) - sistema que impõe séria limitação em seu faturamento -, terá ainda o pagamento equivalente a 20% do valor do salário para o INSS, a título de contribuição patronal, além de 3,3% ao duvidoso "Sistema S" (Senai, Sebrae, Sesc, etc.).

E mais que isso, se a empresa está com excesso de pessoal, é necessário considerar que o salário pago no mês abrange não somente os dias de trabalho, mas também os fins de semana e feriados. E esse descanso tem, portanto, o custo do salário, do INSS e do FGTS.

Ou seja, quanto mais a empresa posterga a decisão de demitir pessoal, quando evidentemente seu quadro está excessivo diante da demanda e de sua capacidade financeira, pior ficará a situação. Além de manter um custo considerável com o excesso de pessoal (um investimento que não justifica uma receita correspondente), o passar do tempo torna o custo com as rescisões ainda maiores.

Claro que sempre vai aparecer gente sem experiência, sem conhecimento da prática e da realidade empresarial, dizendo que o erro foi a empresa ter contratado mais pessoal do que precisaria. Mas a verdade é que esse tipo de situação não decorre necessariamente da falta ou erro de planejamento. O ambiente empresarial está sujeito à influência de inúmeros fatores, muitos dos quais fora de controle e previsão.

Basta uma mudança de mercado (que pode ter inúmeras causas, como produtos substitutos, alterações legais, mudança na taxa de juros, câmbio, expectativas do consumidor, aumento da concorrência, etc.), um ciclo negativo de duração mais longa, e a empresa rapidamente se vê numa situação de desconformidade entre seu quadro de pessoal e a estrutura necessária para atender a demanda de mercado. E o pior, isso afeta principalmente as empresas com atividades mais intensivas em mão de obra, ou seja, as que, pelo menos proporcionalmente, geram maior número de empregos.

É por isso que não faz sentido, e seria um grande revés ao desenvolvimento econômico, posto que aumentaria consideravelmente o risco da atividade empresarial e tornaria ainda mais desinteressante o empreendedorismo, a defesa que alguns fazem contra o direito do empregador em despedir o empregado, conforme estabelece a Constituição da República1, defendendo que, uma vez contratado, o funcionário não poderia mais ser demitido, ignorando-se completamente, dentre outras, questões econômicas, psicológicas e morais, como a aversão ao risco, seleção adversa e assimetria da informação.

Mas, voltando ao aspecto prático, se a empresa não tem dinheiro para demitir, deve demitir assim mesmo. E, quase que certamente, não terá economizado o suficiente, com o que deixou de pagar de salários e encargos, quando chegar a data do acerto das rescisões2.

Desta forma, existem dois caminhos possíveis, cuja escolha terá que partir do funcionário demitido e não da empresa: ele poderá procurar uma Comissão de Conciliação Prévia, se existir, ou ir direto para a Justiça do Trabalho. A vantagem da Comissão de Conciliação é que as partes não precisam obrigatoriamente ter custo com advogados, normalmente cabendo o pagamento de uma taxa por cada audiência, a ser paga pela empresa.

Tanto na Comissão de Conciliação quanto na Justiça do Trabalho, as partes poderão firmar um acordo para pagamento da rescisão em parcelas. Isso irá permitir que a empresa tenha maior fôlego financeiro e segurança para arcar com os pagamentos, já que estará deixando de gastar com salários e encargos referentes aos funcionários demitidos. Além disso, o funcionário demitido não acaba totalmente prejudicado, já que poderá sacar logo o valor que tiver em conta do FGTS, bem como dar entrada no pedido de seguro desemprego.

Porém, nenhum dos dois caminhos irá admitir que se proceda ao parcelamento da multa do FGTS. Essa pode ser a questão mais preocupante, principalmente no caso de demissão de funcionários que estejam há muito tempo no emprego. Nesses casos, é necessário estudar alternativas conforme cada situação. Por exemplo, demitir primeiro funcionários com menos tempo de contratação, deixando aqueles com maior valor de multa de FGTS para depois. Ou até mesmo atrasar pagamentos de impostos por alguns meses, parcelando depois, como forma de se capitalizar para os gastos com rescisões. Certamente essa medida é mais compensatória que continuar arcando com os custos de excesso de pessoal, observando apenas para se evitar ao máximo atrasar a parte do INSS descontada do salário dos funcionários, devido ao regramento (inconstitucional) previsto na lei do salário mínimo de 20113.

Além disso, a audiência, seja na Comissão de Conciliação, seja na Justiça do Trabalho, só poderá ser realizada, por óbvio, após o prazo que seria o devido para pagamento das verbas rescisórias. E isso, por si só, implicará no pagamento de uma multa, em favor do demitido, equivalente ao valor de seu último salário, conforme art. 477 da CLT4.

Mesmo assim, ainda é melhor demitir que manter excesso de pessoal contratado, pagando salários e obrigações sem a correspondente entrada de receitas.

Em geral, são grandes as chances de acordo para pagamento parcelado, seja na Comissão de Conciliação, seja na Justiça do Trabalho, principalmente se a empresa demonstrar que está agindo de boa-fé e deixar os demitidos cientes da situação.

Eventualmente existirão aqueles que não aceitarão acordo ou tentarão tumultuar o ambiente e mesmo influenciar outros. Para evitar esse tipo de coisa, se forem muitos funcionários a serem demitidos, é de boa praxe não fazer as rescisões na mesma data ou em data próxima. Nada pior que um grupo de ex-funcionários insatisfeitos protestando na frente da empresa. A empresa também pode avaliar os casos que, por questões humanitárias e de baixo valor, seja melhor mesmo pagar as verbas rescisórias sem necessidade de acordo para pagamento parcelado. Por fim, não se deve perder tempo com aqueles demitidos que apresentarem intransigência para negociar. Perder tempo com eles implica demonstração de fraqueza. Muitas vezes, ao perceber que outros estão fazendo acordos e a empresa vem apresentando postura de seriedade, eles podem acabar mudando de ideia.

Exemplificando, certa vez realizei reunião com um grupo de funcionários que estava sendo demitido, diante do fechamento de uma unidade fabril. Deixei claro sobre a necessidade de realizar acordo para pagamento das rescisões e que a empresa estava aberta a qualquer negociação. Um dos presentes, que teve problemas para receber as verbas indenizatórias no emprego anterior, logo se manifestou:

- Pode demorar dois anos, mas isso a gente entra na justiça e consegue receber. - sugerindo que não aceitaria acordo algum.

Imediatamente retruquei, me dirigindo a todos:

- Aí será opção de vocês. Quem quiser, pode fazer acordo; quem não quiser, pode usar a alternativa dele para receber em dois anos.

E isso acabou favorecendo para que todos fizessem acordo. Até mesmo aquele que havia questionado a respeito.

Também é importante que a empresa, antes de ir para audiência de conciliação, prepare propostas de acordo com certa flexibilidade, para facilitar a negociação. Na Justiça do Trabalho é comum que o acordo seja combinado entre as partes, por intermédio dos advogados, antes mesmo da audiência (o juiz acaba apenas homologando o acordo). Mas aqui é necessário cuidado: nada de combinar acordo com outra parte e já levar por escrito para a audiência, pois o juiz vai pensar que há algum tipo de fraude.

Por fim, a empresa nunca deve ir para uma audiência trabalhista sobre pagamento de verbas rescisórias sem estar preparada para realização de acordo. E também deve se preparar, junto ao advogado, sobre a estratégia a ser adotada em caso de não ser possível firmar acordo, para evitar que incorra na multa de 50% prevista no art. 467 da CLT5.

...

1. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;

2. Consolidação das Leis do Trabalho:

Art. 477 (...)

§ 6º - O pagamento das parcelas constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação deverá ser efetuado nos seguintes prazos:

a) até o primeiro dia útil imediato ao término do contrato; ou

b) até o décimo dia, contado da data da notificação da demissão, quando da ausência do aviso prévio, indenização do mesmo ou dispensa de seu cumprimento.

3. A Lei 12.382/11 deveria dispor apenas sobre a regulamentação do salário mínimo. Porém, veio grávida do seguinte monstro:

Art. 6o O art. 83 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 1o a 5o, renumerando-se o atual parágrafo único para § 6o:

"Art. 83. ...........................................................

(...)

§ 2o É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal."

4. Consolidação das Leis do Trabalho:

Art. 477 (...)

§ 6º - O pagamento das parcelas constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação deverá ser efetuado nos seguintes prazos:

(...)

§ 8º - A inobservância do disposto no § 6º deste artigo sujeitará o infrator à multa de 160 BTN, por trabalhador, bem assim ao pagamento da multa a favor do empregado, em valor equivalente ao seu salário, devidamente corrigido pelo índice de variação do BTN, salvo quando, comprovadamente, o trabalhador der causa à mora.

OBS.: Em várias rescisões que acompanhei, nunca verifiquei o caso dessa multa com base na BTN. Inclusive, o BTN foi extinto em 1991, pela lei 8.177.

5. Consolidação das Leis do Trabalho:

Art. 467. Em caso de rescisão de contrato de trabalho, havendo controvérsia sobre o montante das verbas rescisórias, o empregador é obrigado a pagar ao trabalhador, à data do comparecimento à Justiça do Trabalho, a parte incontroversa dessas verbas, sob pena de pagá-las acrescidas de cinqüenta por cento.